Poema em Construção

UM POEMA EM CONSTRUÇÃO


"CANO ENTUPIDO-DESENTUPIDO PÁSSARO"

o chafariz do jardim
   fez um poema à flor.
   sentiu um certo temor
   vendo por perto o mandarim


Com seus pós de perlimpimpim
lá conseguia roubar sem dor
fosse a profissional fosse a amador,
umas vezes pelo não outras pelo sim

Pôs no bolso as três palmeiras
mais o lago, as flores e o térreo chão
em cima pôs cimento, o maganão
ainda nos leva as laranjeiras


O chafariz desiludiu-se com tais maneiras
Sem conseguir perceber qual a razão
Para não semearem flores de cor e emoção
E plantarem outras árvores no lugar das palmeiras

O chafariz no seu tormento
percebeu com grande mágoa
que em vez de jorrar água
apenas vomitava cimento.



Diogo Correia
Luís Gomes
Luís Santos
Manuel João Croca
António Tapadinhas


DEUS, CIRCO E MESA COM PATO
(soneto)


Quatro crianças brincavam nesse dia
Na praia corriam atrás de uma bola
Suspenso por duas nuvens Deus dormia
Roncando que nem uma bota sem sola.

As crianças olharam para o céu
e das nuvens que se abriam
ficaram envoltas num estranho véu
onde luzes apagavam e acendiam,

pois era afinal um caso de ovnilogia.
Do ilusionista do Circo Cardinal
num número de extraordinária magia

um pato vivo no prato na ceia de Natal

olhou e, batendo as asas com crescente energia,
voou antes que o comessem à maneira oriental.



António Tapadinhas
Diogo Correia
Luís Gomes
Luís Santos
Manuel João Croca



UM POEMA EM CONSTRUÇÃO

Começou-se com um único verso que se juntaram formando quintilhas.

Seguiram-se quadras sujeitas a mote.
Depois, sempre a subir, compuseram-se oitavas. 
E agora?
Agora que cada um partilhe o que traz no alforge e queira partilhar.
Veremos no que é que vai dar.
Boas aventuras.


*

Até o Corcovado olhou para o lado


A partida tinha acabado
mas ninguém queria acreditar
pois que o desnível do resultado
sugeria que aquilo fora só a brincar.

Mas que grande brincadeira
- disse Cristo com espanto -
já me foram à algibeira
vou queixar-me  ao Espírito Santo.


Do caminho com a rapaziada

a face do santo que o olhava de frente
- Pai, minh'algibeira rompeu-se a essa gente,
deixaram-lhe um roto e não sobrou nada.

Afinal o Espírito não era O Santo

Mas sim o ilusionista, do Circo Ordinal
E por isso ocultou sobre o manto
o que faltava no bolso do pessoal

O espírito santo no futebol, o bento como deputado, os monólogos do coelho (para os quais, como toda a gente já sabe não há paciência, mas o gajo lá está na televisão) e, afinal, para desligar o aparelho só é preciso carregar no botão. Sempre tudo bem juntinho, a política e a vida, imanência e transcendência, na desorganizada cidade de Copália, dada a natureza altruísta do império das copas, mundo de narcisos e rosas no lado de cá do espelho, onde a criança se cortou. "Tem dó do rapaz, coração de pedra", dizia o cigano.



Manuel João Croca
António Tapadinhas
Diogo Correia
Luís Gomes
Luís Santos



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Depois das quintilhas e da quadra com mote entremos, então, nas oitavas, desta feita uma estrofe "com todas as notas":



Amor e guerra no Império das Copas

(A seta de Cupido)

Foi num dia 4 de Julho
lado de dentro do espelho
Isabel comeu o coelho
e nem fez muito barulho,
disse a Rainha de Copas
que nem gostava de rosas brancas
tocava perfeita a orquestra
"- mais um ovo-estrelado, por favor."

A Rainha de Copas é uma finória
pensou o empregado de copa
que já servira um cherne e agora esta garopa
cheia de salamaleques e de pose ilusória,
deixa estar que tu tens a mania mas vou-te tramar
despiu a farda e calçou os sapatos de pisar e esmagar
aproximou-se ao som da orquestra que continuava a tocar
e sussurrou à Rainha de Copas: a seguir ao estrelado vamos dançar?


A rainha deu a sua aquiescência
mas como é seu hábito fez muito mal
porque o empregado tem defeitos
e é bruto como uma porta fardada
pediram ao maestro na sua sapiência
que tocasse uma música sensual
para se despirem de preconceitos
- ele em pelota e a rainha pelada

estendendo a mão à rainha que se levanta
o empregado seduz a fêmea de porte imperial,
nu era o esquema da valsa entre os dois reinantes do salão.
NOTÍCIA DE ÚLTIMA HORA
irrompe um pajem pelo salão adentro:
IMPÉRIO DE COPAS EM CHEQUE
o rei de espadas acabou de montar um cerco a oriente
enquanto a ocidente a cidade de Copália cai nas chamas do seu exército

E assim ficou aquela
verdadeira queca real,
como uma flor à janela
à espera do roseiral.
"-Às armas!", gritou ela,
pondo fim ao gozeiral
e tudo por um barco à vela
e uma guerra imperial



Luís Santos
Manuel João Croca
António Tapadinhas
Diogo Correia
Luís Gomes





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Aqui vai o mote que propõe outra experiência. Uma quadra a cada um e teremos o mote mais quatro quadras o que faz uma forma de verso popular bem tradicional entre nós.



A Insolência do Chapeleiro

O Chapeleiro doido apareceu
para se vingar no Coelho
e que grande brado ele deu,
ao saltar para cá do espelho.

Enfiou-lhe o dedo no cu
e o coelho até tremeu
tratava o treinador bento por tu
o Chapeleiro doido apareceu

Apareceu sem ninguém estar à espera
e foi logo para a reunião do Conselho
usava chapéu, lenço e flor na lapela
para se vingar no Coelho

Com todos estes adornos
toda a imprensa compareceu
mas teve azar, partiu os cornos
e que grande brado ele deu

Socorroooo!!!!!
Grita a voz do fedelho.
Ardendo o alcool na ferida,
ao saltar para cá do espelho.


Luís Gomes
Luís Santos
Manuel João Croca
António Tapadinhas
Diogo Correia




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A proposta é que se avance para a construção coletiva de um poema (sem que se exclua uma possibilidade mais prosaica). Então, aqui, “um poema em construção”, será o lugar onde cada um por si, em tempo a seu cargo, acrescentará um verso. Ao fim de algum tempo(?) as quintilhas serão publicadas na página de rosto do EG.


*     *     *

Prato à Pequim


Chegou à vida um pato que saiu do forno 
pensando-se a Fénix por causa disso,
assado e cozido, em repasto familiar renascido
as laranjas descascaram-se em espiral para acompanhar
Um pato saudável nunca está só: tem sempre duas patas


Os talheres foram postos em mesa aprumada
"-Para mim", pensou a fénix, olhando a cabeceira,
degolada e decepada, com laranja decorada
mesa posta a rigor já com pato e tudo quem será que vem jantar
Um Coelho que traz Aguiar Branco, Poiares Maduro e Mateus Rosé.


À roda, a mesa coloria de frutas, e cantava-se Alegrias
e o pato que se julgava a fénix lá se ergueu, olhou o coelho e disse:
"-Quem diria Coelho, renascidos os dois na mesma mesa."
O Coelho sorriu, pensando: pois, mas eu venho para comer e tu para ser comido
E, se bem pensou, melhor o fez: comeu a Fénix, com cinzas e tudo!



Diogo Correia
Luís Gomes
Luís Santos
Manuel João Croca
António Tapadinhas








1 comentário:

Viva disse...

Trabalho muito interessante! Boas construções!