quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

APROXIMAÇÕES À SABEDORIA ANTIGA

Abdul Cadre
Dizia o grande místico Karl von Eckartshausen que «A verdade absoluta não existe no reino dos fenómenos. Nem sequer nas matemáticas a encontramos, porque as suas regras e princípios estão fundados em certas hipóteses respeitantes à grandeza e à extensão, já por si de carácter fenoménico. Mudem-se os conceitos fundamentais das matemáticas e o sistema inteiro será modificado».
Assim, dizer-se que uma dada ordem de coisas ou de saberes tem quatro, ou nove, ou doze graus, partes, modos ou o que mais se queira é falar-se de critérios quantitativos, de convenções, de codificações, de espírito analítico e nada mais.
O homem, para poder entender os enigmas, os segredos e os mistérios, divide – que é o pressuposto da análise – e estabelece convenções – que é o corolário de todas as sínteses – para que, a partir de um saber codificado e aceite o entendimento recíproco seja possível e as transmissões dos códigos e o método dessa transmissão se estabeleça. 
Na administração do saber, nas universidades medievais, usava-se um conjunto de quatro disciplinas – Aritmética, Geometria, Astronomia e Música – que se designava por QUADRIVIUM. Esta base quadrangular requeria, de quem pretendia alcançar a mestria nas artes liberais, a coroa do TRIVIUM, que compreendia a Gramática, a Dialéctica e a Retórica, disciplinas estas que, vistas à luz dos nossos dias, poderíamos chamar de ciências da linguagem, para acrescentarmos que é precisamente a fala, organizada em sistema coerente e simbólico, o que mais nos distingue das espécies animais que habitam connosco este planeta. Tal culminar em SETE remete-nos necessariamente para a simbólica da construção: uma casa, como a desenhará qualquer criança, é um triângulo sobre um quadrado.
Esta associação do triângulo com o quadrado também podia ser tomada de forma menos prosaica e menos profana se nos lembrássemos que o sagrado tetragrama da cabala aparece gravado no centro de um triângulo, símbolo que, por sua vez, se ostenta no pórtico de muitas igrejas cristãs. É o nome de Deus, que não se pronuncia e apenas se soletra: Iod, He, Vau, Hé.
Quando o Dr. Gerar Encausse, vulgarmente referido pelo seu nome iniciático de Papus nos propôs, no seuTraité élémentaire de Science Occulte, analisar as questões da Pristina Sophia, tendo em atenção as quatro realidades tradicionais – Deus, o Universo, a Natureza e o Homem – certamente que não ilidiu o pressuposto de que a chave mestra da descodificação humana é o triângulo, isto é, o número três. De tal forma não ilidiu que, na mesma obra, declarou que toda a doutrina oculta se pode classificar em três secções fundamentais: os princípios, as leis e os factos.
Quanto a nós, a convenção básica de todo o entendimento tradicional é a triunidade – como é Acima é em baixo – ou, em termos dialécticos: tese, antítese e síntese (mercúrio, enxofre e sal) e representa-se pelo triângulo. Em correspondência com esta convenção, que resulta duma dependência incontornável, todas as escolas esotéricas e iniciáticas, por mais que possam comportar uma grande pluralidade de graus, em boa verdade têm apenas três e não mais do que três, e tudo o mais será espelhismo, necessidades pedagógicas e convenções particulares que se justificam mais na História e na cultura do que na Tradição e nas condições de iniciação.
Voltando ao tetragrama e seguindo o pensamento de Papus, diríamos o seguinte: o Iod, como princípio activo e símbolo da Teogonia, falar-nos-ia de Deus, do todo primordial; o primeiro Hé, como princípio passivo e símbolo da Cosmografia, falar-nos-ia do universo; o Vau, como princípio equilibrante e símbolo da Androgonia, falar-nos-ia de como a relação alquímica Deus-Universo produz o sal, o traço de união que é o Adam Kadmon. Por fim, se quisermos ver representado no segundo Hé o regresso à unidade, ou realização total em todos os planos vamos ter de admitir, realçando o indisfarçável sinal de repetição do Hé, que realizar não é um grau, mas o escopo de todos os graus, e assim voltamos à simplicidade das coisas, propondo-se: 
1º Grau do saber. Diz respeito aos FACTOS. Estes correspondem à natureza, ao plano onde o homem tem por veículo animal um corpo de carne. Neste grau, o homem de ideias e ideais é chamado, mas só o discípulo em prova se pode dizer que é escolhido.
2º Grau do saber. Diz respeito às LEIS. Estas correspondem ao universo e exigem, do estudante, consciência do corpo astral. Por isso lhe chamamos discípulo aceite. 
3º Grau do saber. Diz respeito aos PRINCÍPIOS. Estes correspondem a Deus e exigem, do estudante, a consciência da alma imortal. O discípulo passa a ser um com o Mestre e é tradicional chamar-se-lhe filho do Mestre. 
Este tratamento esquemático pode parecer uma tentativa de subverter o entendimento teosófico dos cinco estágios do discipulado, mas afirmamos que não. Segundo o nosso ponto de vista, a razão é esta: a Teosofia fala de um quinto estágio, que seria o de Iniciado... Ora, iniciado não é estudante, ou não é estudante neste plano. Por outro lado, não se pode considerar estágio autêntico e autónomo de discipulado o de «homem de ideias» porque não está na senda; quando estiver, como mais atrás dissemos, será então um discípulo em prova. 
Esta é uma aplicação, se se quiser, da navalha de Occam, princípio de busca respeitado em ciência, nomeadamente em Parapsicologia, o qual postula que a teoria explicativa mais simples de um facto ou fenómeno será mais válida do que aquela que introduz complicações desnecessárias.

Quarta-Feira, Novembro 09, 2011

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